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"Grâce à la liberté dans les communications, des groupes d’hommes de même nature pourront se réunir et fonder des communautés. Les nations seront dépassées" - Friedrich Nietzsche (Fragments posthumes XIII-883)

08 - MAR 21 - Journaux et tribunaux



PÚBLICO - 21.03. 2008

Sorry, imploram quatro tablóides britânicos ao casal McCann. Também o Nouvel Observateur lamentou a mágoa causada pela notícia de um alegado SMS de Sarkozy.
O director da Society of Editors da Grã-Bretanha e o advogado Teixeira da Mota explicam o significado destes gestos.

Entre o Verão de 2007 e Fevereiro deste ano, os tablóides britânicos Daily Express, Daily Star e as suas respectivas edições dominicais (Sunday Express e Daily Star Sunday) fizeram várias alegações sobre Kate e Gerry McCann, incluindo as de que o casal “vendeu” ou “matou” a sua filha Madeleine, desaparecida a 3 de Maio de 2007, no Algarve.

A 6 de Março [de 2008], o site nouvelobs.com noticiou que, oito dias antes de se casar com Carla Bruni, o Presidente Nicolas Sarkozy enviou um SMS à sua ex-mulher Cécilia Ciganer-Alberniz, dizendo-lhe, alegadamente, “se voltares, cancelo tudo.”

[Em Março de 2008] todos pediram desculpas. O grupo Express assumiu, na primeira página, o carácter difamatório de mais de 100 artigos, aceitou desembolsar uma indemnização equivalente a 697 mil euros e apagou já todo o seu arquivo online sobre o caso Madeleine. Foi um acordo amigável com os advogados dos McCann, ou uma “capitulação”, como sublinhou, no Guardian, Roy Greenslade, professsor de Jornalismo na Universidade de Londres, porque esta seria uma batalha perdida em tribunal.

Quanto ao Nouvel Observateur, depois de o seu director e co-fundador, Jean-Daniel, ter considerado “um erro” a publicação da história do suposto SMS de Sarko, também o autor do artigo na edição electrónica, Airy Routier, enviou uma carta pessoal a Carla Bruni em que lamenta tê-la “magoado”. Assim que recebeu esta mensagem, a primeira-dama divulgou o seu conteúdo no diário Le Monde e revelou que o marido retirou a acção judicial que interpôs – um processo judicial inédito na V República, de um chefe de Estado contra um órgão de informação.
Ao contrário dos jornais britânicos, porém, Routier insiste na “autenticidade” da sua notícia, ainda que a própria Cécilia tenha desmentido a recepção do referido SMS. Num esclarecimento publicado na sua edição de 20 de Março [de 2008], o Nouvel Observateur reafirma que “esta confidência não deveria ter sido publicada”, mas realça também a “boa-fé” do jornalista, que se “mantém em funções”. Sugere ainda “um rápido e necessário debate” sobre a lei de 1970 que rege as relações entre vida pública e privada e que “está hoje em crise”.

Como se chegou aqui?
No caso britânico, Bob Satchwell, director-executivo da Society of Editors, em Londres, explicou-me, por e-mail, que um dos problemas cruciais no caso de Madeleine McCann é “quase não ter factos”. “Sabemos que a menina desapareceu do seu apartamento na praia da Luz e que os pais foram considerados arguidos pelas autoridades portuguesas”, disse. “Além disso, ao contrário do que acontece no Reino Unido, não houve muitas conferências de imprensa ou explicações oficiais.”
“O segredo conduz sempre à especulação”, observou Satchwell. “Isso prejudica a credibilidade e a confiança em qualquer organização. Os media britânicos estão habituados a uma relação mais aberta com os investigadores e todo o sistema judicial é mais aberto.”
O facto de os McCann terem sido considerados suspeitos também é muito diferente do sistema do Reino Unido”, referiu o antigo e premiado jornalista Satchwell. “É um conceito difícil de entender, e o sistema português tem sido difícil de explicar a leitores, ouvintes e telespectadores na Grã-Bretanha. Duvido que a maioria já o compreenda. Isso aumentou a especulação que rodeava a história. Além disso, a imprensa britânica confiou demasiado nos artigos que iam aparecendo nos media portugueses.


Francisco Teixeira da Mota, advogado do diário PÚBLICO, declarou-se impressionado com o modo “especulativo e temerário” com que os jornais do grupo Express, agora convictos da “inocência de Gerry e Kate” trataram o caso Maddie. O segredo de justiça em Portugal, agora mais atenuado, pode ser uma dificuldade na recolha de informações, admite. “Muita coisa circula debaixo da mesa, há muitos boatos, gente da polícia que fala não oficialmente” mas isso “não exime os jornalistas de conduzirem as suas próprias investigações”.
Se não há factos, “não se pode inventá-los”, frisa o advogado. E não há desculpa para os ingleses citarem os jornais portugueses se estes invocavam fontes anónimas ou pouco credíveis. Por exemplo, quando o Daily Express reproduziu um rumor, a que fez alusão um antigo agente da Polícia Judiciária na RTP, de que Kate e Gerry McCann estariam envolvidos num esquema de “troca de casais” (swinging), Teixeira da Mota questiona a relevância de divulgar questões de intimidade. “Se é mentira, é difamação; se é verdade será devassa da vida privada, e em Portugal isso é crime, o que poderá não ser o caso na Grã-Bretanha.

Satchwell, por seu turno, observa que os McCann “sempre foram vistos [na imprensa britânica] como vítimas, e não há provas que sugiram o contrário. E foi por isso que o grupo Express teve de pagar uma indemnização e pedir desculpas”. O que os jornais propriedade de Richard Desmond escreviam sobre os pais de Madeleine foi entendido como uma campanha de calúnia, que foi mais além do que “as críticas e o debate que se realizou no Reino Unido sobre a responsabilidade de ambos terem deixado os seus filhos sozinhos” na casa de férias.


Sobre o impacto que os excepcionais pedidos de desculpa na primeira página terão para os leitores e outros editores, Satchwell diz que “é mais um aviso de como as leis antidifamação funcionam no Reino Unido. Se os media não puderem fornecer provas directas que suportem o seu noticiário ou comentários, o preço em termos de custas legais e danos são elevados.” “Os leitores tirarão as suas conclusões e alguns reconhecerão que os jornais pelo menos admitiram os seus erros e pediram perdão pelas manchetes que fizeram”, adiantou. “Desta vez não se pode dizer que as desculpas não foram significativas. A lição que os jornalistas devem aprender é a de que não se deve noticiar rumores sem substância.”

Teixeira de Mota é mais céptico. Acha que, tratando-se de tablóides, a sua pouca credibilidade não será afectada. “Este tipo de publicações vive do gossip [coscuvilhice] e do escândalo. O leitor, geralmente, quer sangue mesmo que não seja verdadeiro. Teria sido diferente se isto tivesse acontecido num jornal de referência.”

Vejamos então como um jornal de referência e um tablóide trataram o mesmo tema, a 9 de Outubro de 2007. 
David Brown e Patrick Foster, do diário The Times, escreveram: “Vestígios do ADN de Madeleine McCann recolhidos em dois apartamentos de férias portugueses não provam que ela está morta. Apesar da falta de provas conclusivas, os detectives ainda acreditam que foi justificado declarar Kate e Gerry MacCann suspeitos oficiais no desaparecimento da sua filha. (…) Testes levados a cabo pelo Serviço de Ciência Forense em Birmingham não provam que a menina de 4 anos foi morta, mas os resultados são considerados significativos.”
– A versão de Martin Evans, do Daily Express, é muito diferente: “Provas forenses cruciais ligam, alegadamente, os pais de Madeleine McCann ao seu desaparecimento, insistiu ontem à noite uma fonte próxima do caso. Os testes britânicos ao DNA indicam que a polícia portuguesa estava certa ao declarar suspeitos Kate e Gerry McCann. A fonte também rejeitou afirmações de que as provas encontradas no carro alugado de ambos são ‘inconclusivas’. A extraordinária viragem na investigação chocou os McCann que esperavam vir a ser em breve ilibados do envolvimento no desaparecimento da sua filha.”


O Daily Express vende cerca de 700 mil exemplares por dia e o Daily Star terá aproximadamente 610 mil leitores, segundo a AFP. A indemnização que aceitaram pagar, e que irá para o Fundo Find Madeleine, livrou-os de uma multa ainda maior, que poderia ir, segundo a BBC, até quatro milhões de libras.

Um jornal português, ainda que já extinto (em Setembro de 2007), o Tal & Qual, tem contra si um processo de difamação pela notícia de capa “PJ acredita que os pais mataram Maddie”. Teixeira da Mota considera esta “uma afirmação de prova praticamente impossível, já que a PJ é uma instituição e nunca afirmou oficialmente o que consta da manchete”. Por outro lado, “dificilmente responsáveis da PJ ligados a investigação viriam a confirmar ter expresso essa opinião”.

Quanto ao processo Sarko-Nouvel Obs, o advogado admite que o jornalista poderia ter evitado noticiar o alegado SMS “porque não era do interesse público, embora também se possa questionar por que motivo o Presidente francês “expôs a vida privada ao misturá-la com a política”, quando deu a conhecer o seu romance com Carla Bruni durante uma visita oficial a Jordânia. Ainda assim, Teixeira da Mota repete que não vê “interesse público” na história de Routier, até porque não é o que os leitores esperam de uma revista como o Nouvel Observateur.
Quanto à decisão de Sarko de encerrar a polémica, lembra que o [antigo] Presidente, em queda de popularidade, “não estaria interessado em prolongar um processo, que até poderia ganhar nos tribunais mas que dificilmente lhe seria favorável em termos de opinião pública,” porque continuaria a ser uma avaliação política e uma intrusão na sua vida privada.

Outros arrependimentos
O pedido de desculpas do grupo Express ao casal McCann é inédito por aparecer simultaneamente nos quatro tablóides propriedade de Richard Desmond. Mas há precedentes:
*Nos anos 1980, o jornal The Sun pediu desculpas na primeira página à Rainha de Inglaterra que as aceitou, por ter publicado antecipadamente o seu discurso de Natal, e a Elton John, por alegações de que o cantor pagava relações sexuais com rapazes.

* Em Maio de 2004, o influente jornal norte-americano The New York Times pediu desculpas, em editorial, aos seus leitores pelas notícias sobre as (não existentes) armas de destruição maciça no Iraque. O jornal confessou que a Administração de George W. Bush o exortara a publicar “informações sem fundamento para justificar a guerra”, e admitiu que a cobertura noticiosa “não foi rigorosa como deveria ter sido”. No mesmo mês, em Londres, o Daily Mirror publicou um pedido de desculpas na primeira página – Sorry… We were hoaxed – por ter publicado fotografias manipuladas de soldados britânicos a abusarem de um iraquiano. O jornal prometeu doar o dinheiro da venda das fotos à caridade.

* Em Fevereiro de 2006, os jornais da Arábia Saudita publicaram uma página inteira, em árabe, com um pedido de desculpas do diário dinamarquês Jyllands-Posten por este ter encomendado caricaturas de Maomé, uma das quais com o profeta do Islão envergando um turbante em forma de bomba.