Citation

"Grâce à la liberté dans les communications, des groupes d’hommes de même nature pourront se réunir et fonder des communautés. Les nations seront dépassées" - Friedrich Nietzsche (Fragments posthumes XIII-883)

10 - Set - Décision de l'Entité régulatrice de la Com. soc.


Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Deliberação

32/CONT
Participações de César Costa e outros contra o programa “Sinais de Fogo”, da SIC
Comunicação Social
CONT-TV/2010
8 de Setembro de 2010


Deliberação 32/CONT-TV/2010
Assunto: Participações de César Costa e outros contra o programa “Sinais de Fogo”, da SIC.

Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social

I. Identificação das Partes

1. César Costa, David Matias Fernandes, Ana Sofia de Landerset, Nuno Candeias, Alberto Cruz, Anne Corrêa Guedes, José Luís da Silva e Fátima Isabel Pais, na qualidade de Participantes, e a SIC, na qualidade de Denunciada.

II. Exposição

2. Deram entrada na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (doravante designada “ERC”), entre 2 e 8 de Março de 2010, oito participações contra a edição de 1 de Março do programa “Sinais de Fogo”, da SIC.

3. Alegam os Participantes que Miguel Sousa Tavares, coordenador, autor e apresentador do programa, incorreu em falta de rigor informativo pela forma como na referida edição conduziu uma entrevista a Gonçalo Amaral, ex-inspector da Polícia Judiciária que coordenou a investigação do desaparecimento, no Algarve, da criança inglesa Madeleine McCann.

4. César Costa considera que a referida parte do programa consistiu numa “entrevista vergonhosa” e que a ERC deveria instar a SIC e Miguel Sousa Tavares a “cumprir o dever de imparcialidade e presunção de inocência”.

5. David Matias Fernandes argumenta, a propósito da mesma edição, que “infelizmente nem todas as pessoas têm a capacidade para compreender a manipulação que estão a sofrer”, enfatizando que a SIC ou a ERC deveriam encontrar “a solução para este autêntico desastre jornalístico (se é que se pode chamar), que usurpou, deturpou e influenciou grande parte das pessoas que em horário nobre assistiam à entrevista”.

6. Ana Sofia de Landerset veio manifestar a sua “indignação pela forma como o Dr. Miguel Sousa Tavares tratou o seu convidado”, qualificando a exibição como “degradante, humilhante e ofensiva, com gritante falta de profissionalismo, de educação e das mais básicas regras de comportamento”. A Participante descreve que o entrevistador “disparou dúzias de acusações e difamações contra o convidado, sem lhe conceder a oportunidade de rebater, discutir ou argumentar”, proporcionando um “espectáculo aviltante, de uma arrogância ímpar”. Solicita a
intervenção da ERC para que alerte “o entrevistador para a gravíssima falha profissional cometida”.

7. Nuno Candeias considera que Miguel Sousa Tavares mostrou “falta de preparação e de profissionalismo”, numa entrevista que se tornou num “monólogo”. Entende que o entrevistador “é livre de ter as suas opiniões, mas isso não lhe dá o direito de as impor à força ao público e ao convidado”. O Participante entende que a entrevista foi conduzida “de forma deselegante e mesmo abusiva para com o convidado, não permitindo ao Sr. Amaral responder ou esclarecer os seus pontos de vista, o que invalida o propósito de um diálogo, quanto mais de uma entrevista”. Pelo exposto, considera o Participante que Miguel Sousa Tavares e a SIC deveriam “dirigir um pedido de desculpas aos espectadores e ao Sr. Amaral”.

8. Alberto Cruz advoga que “o que se passou no programa ‘Sinais de Fogo’ do dia 1 de Março 2010 ultrapassou os limites do que é considerado um jornalismo isento, regido por uma determinada ética e rigor”. Na opinião do Participante, o referido programa constituiu “uma tentativa agressiva de acusar, quiçá por motivos pessoais, um cidadão que se encontra já restringido da sua liberdade de expressão”. “O Miguel Sousa Tavares interrompeu, contradisse e impediu sistematicamente o seu entrevistado. Uma verdadeira tentativa de desacreditação”,
observa o participante. Acrescenta que “[o] que Miguel Sousa Tavares fez a Gonçalo Amaral foi um abuso e má-fé. Afirmou coisas que são falsas e inexactas”. Na perspectiva do Participante, a SIC também tem responsabilidades, ao sancionar “a transmissão de um programa de um jornalista que visou atacar o bom-nome e a reputação de Gonçalo Amaral”.

9. No mesmo sentido, José Luís da Silva acusa Miguel Sousa Tavares de “ser preconceituoso militante na sua própria opinião e desrespeitar a opinião do entrevistado. Nem sequer [deixa] que o entrevistado responda, pois o Miguel Sousa Tavares faz a pergunta e ele próprio ‘paga’ as despesas das respostas com banalidades não fundamentadas, impedindo-me de ouvir o contraditório que me esclarecesse pelo meu raciocínio a perceber onde está a verdade”. Exige, assim, que Miguel Sousa Tavares apresente uma declaração de interesses para justificar, por um lado, o alegado desrespeito pelos princípios da dignidade da pessoa, do rigor informativo e do contraditório e, por outro, as manifestações de sensacionalismo e violência.

10. Fátima Isabel Pais começa por preconizar que, em democracia, “entrevistas e debates destinam-se exactamente a expor, discutir e esclarecer pontos de vista diferentes”. A Participante qualifica a entrevista de “fraude jornalística” e “pseudo-entrevista”, em que foram postos em causa “o rigor informativo e o pluralismo”. A Participante ajuíza que Miguel Sousa Tavares “basicamente negou a palavra a Gonçalo Amaral” e colocou perguntas e emitiu opiniões “de forma tendenciosa e por vezes francamente maliciosa”. Acrescenta que Miguel Sousa Tavares “demonstrou também uma falta de respeito completa pela dignidade dos
telespectadores e do próprio entrevistado”.

11. Por seu turno, Anne Corrêa Guedes questiona “[q]ual o sentido de convidar um ex-polícia obrigado ao silêncio? Para falar da boa maneira de conduzir uma investigação? Ou para expor a sua tese própria sem ser desmentido?”.

III. A edição de “Sinais de Fogo” de 1 de Março de 2010

12. O programa “Sinais de Fogo” de 1 de Março de 2010 começou a ser transmitido às 21h01, tendo nesta edição sido entrevistado Gonçalo Amaral sobre o designado“caso Maddie”, na qualidade de antigo inspector da Polícia Judiciária e autor do livro A Verdade da Mentira1. A entrevista, que correspondeu à segunda parte do programa, teve duração de 25 minutos.

IV. Posição da Denunciada

13. Notificada, nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º 2, dos estatutos da ERC, anexos à Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro (doravante designados “Estatutos”), para apresentar oposição, veio a Direcção de Informação da SIC remeter para a posição manifestada pelo jornalista Miguel Sousa Tavares, na qualidade de responsável pelo programa e pela entrevista em questão, com a qual “concorda em absoluto”.

14. Porém, não deixa a SIC de considerar que participações deste tipo “deveriam ser arquivadas, liminarmente, por evidente falta de objecto, o que se traduziria numa inquestionável economia processual para todos”.

15. Tendo igualmente sido notificado para, querendo, apresentar a sua posição sobre as oito participações apresentadas, Miguel Sousa Tavares, na sua resposta, começa por considerar que se trata “de queixas de oito cidadãos que, muito legitimamente, não gostaram da entrevista que fiz ao Dr. Gonçalo Amaral para o programa Sinais de Fogo, da SIC. Não gostaram da forma, do conteúdo, do estilo ou de qualquer outra coisa”.

16. Entende que é um direito que assiste plenamente aos participantes “mas que não se confunde com o direito de queixa à ERC”. Acrescenta que “não me parece que assista à ERC competência para se ocupar e pronunciar acerca de queixas motivadas pelo simples exercício de opinião dos cidadãos relativamente à qualidade do jornalismo consumido. Assim não sendo, teremos a ERC a pronunciar-se sobre queixas de quem não gostou do editorial de um jornal, da construção de uma notícia de telejornal, de uma fotografia, de uma reportagem, das perguntas de uma entrevista”.

http://sic.sapo.pt/online/noticias/programas/sinaisdefogo/Artigos/Miguel+Sousa+Tavares+entrevista+Goncalo+Amaral.htm, acedido a 7 de Maio. O vídeo do programa emitido na referida data encontra-se disponível na íntegra no sítio oficial do operador.

17. Neste pressuposto, refere Miguel Sousa Tavares não estar disponível para se justificar junto da ERC sobre o desempenho profissional num caso concreto, “só porque alguns cidadãos não gostaram dele”. “Seria enxovalhante e de mau prenúncio fazê-lo”, conclui.

V. Normas Aplicáveis e Competência

18. Constitui um dos objectivos da regulação a prosseguir pela ERC “assegurar que a informação fornecida pelos prestadores de serviços de natureza editorial se pauta por critérios de exigência e rigor jornalísticos” (cfr. artigo 7.º, al. d), dos Estatutos), devendo “assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa”, “garantir o respeito pelos direitos, liberdades e garantias”, “garantir a efectiva expressão e o confronto das diversas correntes de opinião, em respeito pelo princípio do pluralismo e pela linha editorial de cada órgão de comunicação social” e “assegurar o cumprimento das normas reguladoras das actividades de comunicação social” (cfr. artigo 8.º, als. a), d), e) e j) dos Estatutos).

19. Para a prossecução das referidas atribuições, o Conselho Regulador da ERC tem competência para “fazer respeitar os princípios e limites legais aos conteúdos difundidos pelas entidades que prosseguem actividades de comunicação social, designadamente em matéria de rigor informativo e de protecção dos direitos, liberdades e garantias pessoais” (cfr. artigo 24.º, n.º 3, al. a), dos Estatutos).

20. No que concerne à Lei da Televisão, aprovada pela Lei n.º 27/2007, de 30 de Junho, importa destacar o disposto no artigo 9.º, n.º 1, al. b), que estabelece como fins da actividade de televisão, “consoante a natureza, a temática e a área de cobertura dos serviços televisivos disponibilizados”, a promoção do “exercício do direito de informar e de ser informado, com rigor e independência, sem impedimentos nem discriminações”, e no artigo 34.º, n.º 2, al. b), que prevê a obrigação de “todos os operadores de televisão que explorem serviços de programas televisivos generalistas, de cobertura nacional” de “[a]ssegurar a difusão de uma informação que respeite o pluralismo, o rigor e a isenção”.

21. Deverá, de igual modo, atender-se ao disposto no Estatuto do Jornalista (aprovado pela Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro, na redacção dada pela Lei n.º 64/2007, de 6 de Novembro), sendo de referir os “deveres fundamentais dos jornalistas” previstos no artigo 14.º deste diploma, entre os quais se encontram os deveres de “[i]nformar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião” e de “procurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem” (cfr. artigo 14.º, n.º 1, als. a) e e) do Estatuto do Jornalista).

22. Cumpre esclarecer que não compete à ERC, conforme alegado pela Denunciada e por Miguel Sousa Tavares, pronunciar-se sobre a conformidade da actividade dos jornalistas com as normas éticas ou deontológicas da profissão, salvo em situaçõesbem que o comportamento dos jornalistas resulte, nos termos legais, num comportamento imputável ao órgão de comunicação social (cfr. artigo 6.º dos Estatutos, a contrario).

23. Tal competência pertence, em exclusivo, a outras instâncias, nomeadamente à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e ao Conselho Deontológico, independentemente do recurso aos tribunais.

24. Porém, conforme resulta do elenco de normas supra descrito, tal não invalida a competência da ERC para sindicar a observância pelos órgãos de comunicação social sob sua supervisão dos deveres de salvaguarda do pluralismo e rigor informativo, bem como de protecção dos direitos, liberdades e garantias pessoais.

VI. Análise e Fundamentação

25. As oito participações apresentadas contra a edição do programa “Sinais de Fogo” de 1 de Março de 2010, incidindo, em particular, sobre a entrevista feita a Gonçalo Amaral, têm como objecto comum a alegada violação, pelo respectivo autor e apresentador, dos deveres ético-legais que deverão nortear a actividade jornalística, especialmente em matéria de rigor informativo.

26. “Sinais de Fogo” é um programa integrado na direcção da informação da SIC e que foi exibido neste serviço de programas desde 22 de Fevereiro de 2010, tendo duração média de 50 minutos e sendo transmitido às segundas-feiras a seguir ao “Jornal da Noite”.

27. A designação do programa inspira-se no título de uma obra autobiográfica de Jorge de Sena2, tendo coordenação, autoria e apresentação de Miguel Sousa Tavares. No sítio oficial do operador na Internet, o programa é apresentado da seguinte forma: “A opinião é livre, mas deve ter uma assinatura. Miguel Sousa Tavares no horário nobre da SIC”3.

28. O formato do programa contempla uma primeira parte de peças jornalísticas sobre temas de actualidade seguidas de comentário e uma segunda de entrevista a personalidades. As participações apresentadas incidem unanimemente na segunda parte.

29. Deverá notar-se que “Sinais de Fogo” se inscreve predominantemente na esfera da opinião e do comentário, sendo esta sua qualidade opinativa assumida e reconhecível.

30. Por conseguinte, “Sinais de Fogo” deve ser apreciado como um programa de opinião e comentário, em que será expectável que o seu apresentador manifeste os seus pontos de vista e juízos pessoais sobre os assuntos que decide aprofundar no programa.
2 Cfr. Jornal de Notícias, 19/02/2010, “Sócrates em ‘Sinais de Fogo’”
3 http://sic.sapo.pt/online/noticias/programas/sinaisdefogo, acedido a 7 de Maio

31. A entrevista conduzida na edição de “Sinais de Fogo” sob análise apenas poderá, pois, ser apreciada sob o signo da liberdade de expressão e de opinião, nos termos assegurados pelo artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa, com expressão no artigo 26.º da Lei da Televisão, cujos limites se conclui da observação do programa não terem sido excedidos.

32. Donde decorre não terem sido violados, no caso em apreço, os deveres aplicáveis à actividade jornalística, em particular no que respeita à salvaguarda do rigor informativo e da separação entre factos e opinião.

33. Da análise do programa retira-se igualmente que não foram violados quaisquer direitos, liberdades ou garantias do entrevistado, designadamente, conforme alegado por alguns Participantes, através da inviabilização do contraditório por parte de Gonçalo Amaral.

34. Finalmente, quanto ao argumento de que não deveria ter sido dirigido um convite de entrevista a uma personalidade sujeita a uma providência cautelar, apontado por alguns Participantes, deve referir-se que tal consiste numa decisão fundada na liberdade e autonomia editorial do serviço de programas e, naturalmente, no consentimento do entrevistado.

VII. Deliberação

Tendo analisado oito participações apresentadas contra a edição do programa “Sinais de Fogo” emitida pela SIC a 1 de Março de 2010;
Tendo concluído que o programa se inscreve predominantemente na esfera da opinião e do comentário e que, portanto, dada a sua configuração, não foram violados os deveres aplicáveis à actividade jornalística;
Considerando que a entrevista a Gonçalo Amaral não extravasou os limites subjacentes à liberdade de expressão e de opinião nem violou quaisquer direitos, liberdades ou garantias do entrevistado;

O Conselho Regulador da ERC delibera, ao abrigo do disposto no artigo 8.º, alínea a), e no artigo 24.º, n.º 3, al. a) dos Estatutos, não dar seguimento às participações analisadas.
Lisboa, 8 de Setembro de 2010
O Conselho Regulador
José Alberto de Azeredo Lopes

Maria Estrela Serrano

Rui Assis Ferreira